26/05/2022

Faltam critérios claros para avaliar resposta a tratamento inicial da depressão, diz estudo

Parte das diretrizes clínicas disponíveis não orienta claramente sobre estratégias a serem adotadas com pacientes, o que pode levar profissionais de saúde a hesitarem em aplicá-las


 



Diretrizes clínicas são documentos que contêm recomendações para otimizar o cuidado em saúde oferecido aos pacientes, formuladas a partir de parâmetros científicos; desde 2015, grupo de pesquisadores brasileiros analisa a qualidade e a transparência dessas instruções, discutindo as orientações ligadas ao tratamento de doenças como a depressão e colaborando na adaptação de diretrizes locais – Foto: Freepik

 


Quando pacientes com depressão não respondem ao tratamento farmacológico inicial, profissionais de saúde como psicólogos, psiquiatras, enfermeiros, farmacêuticos e gestores na área de saúde mental podem contar com o apoio de diretrizes clínicas, documentos que fornecem estratégias baseadas em evidências científicas, para avaliar e dar sequência à terapia. Porém, uma pesquisa liderada pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP revela que parte das diretrizes existentes não define os critérios necessários para a avaliação da resposta dos pacientes à terapia inicial, se foi adequada ou não. Segundo o estudo, faltam orientações sobre as estratégias terapêuticas a serem adotadas para esses pacientes, o que pode fazer os profissionais de saúde hesitarem na aplicação das diretrizes. O trabalho faz parte da linha de estudos de um grupo de pesquisadores brasileiros que analisa a qualidade e transparência das diretrizes, além de auxiliar no seu aprimoramento.


A pesquisa é descrita no artigo Quality of clinical practice guidelines for inadequate response to first-line treatment for depression according to AGREE II checklist and comparison of recommendations: a systematic review publicado na revista médica BMJ Open no último mês de abril. “Diretrizes clínicas são documentos que contêm recomendações para otimizar o cuidado em saúde oferecido aos pacientes, formuladas a partir de uma revisão sistemática das evidências e análise de riscos e benefícios das intervenções para cada condição clínica de saúde, além de outros fatores associados ao contexto local”, afirma a pesquisadora Franciele Cordeiro Gabriel, da FCF, primeira autora do artigo.


O trabalho faz parte do projeto de pesquisa do grupo Chronic Diseases And Informed Decisions (Chronide), que conta com pesquisadores de diversas instituições de ensino superior brasileiras, com o objetivo de trazer suporte à tomada de decisões na prática clínica e na gestão de saúde. Desde 2015, o grupo faz a análise da qualidade e transparência de diretrizes, inclusive discutindo as recomendações de melhor qualidade metodológica para o tratamento de doenças crônicas não transmissíveis, como a depressão. O Chronide colabora com a adaptação de diretrizes locais, com base nas melhores evidências científicas disponíveis. O grupo conduz o projeto Saúde Baseada em Evidências e Recomendações para o Sistema Único de Saúde (Saber-SUS), que dissemina as pesquisas realizadas por seus membros.


Cada instituição de saúde costuma ter as suas orientações, que são elaboradas por instituições governamentais, sociedades profissionais e universidades e são disponibilizadas, principalmente, em sites específicos na internet, conhecidos como repositórios de diretrizes clínicas. “Entre os principais objetivos das diretrizes estão tornar as decisões clínicas mais objetivas, diminuindo a variabilidade, educar pacientes e profissionais sobre a melhor prática atualizada, e melhorar a relação entre custo e efetividade dos cuidados em saúde”, diz a pesquisadora.


“O trabalho buscou similaridades e diferenças entre as diretrizes clínicas mais usadas na prática e aquelas avaliadas como de alta qualidade metodológica”, descreve Franciele. “Foi feita uma busca sistematizada em bases de referências científicas e fontes específicas para encontrar o maior número possível de diretrizes publicadas na literatura. Elas foram comparadas de modo a estabelecer pontos em comum, divergentes e complementares em relação ao manejo dos pacientes.”


RECOMENDAÇÕES


“A maioria das diretrizes clínicas analisadas concorda com a necessidade de reavaliar o diagnóstico, avaliar a presença de comorbidades, ou seja, de outras doenças, e adesão ao tratamento, ajustar a dosagem do antidepressivo e adicionar psicoterapia como os primeiros passos para quem não responde ao tratamento antidepressivo de primeira linha”, ressalta a pesquisadora. “Além disso, todas elas incluem a possibilidade de substituição do antidepressivo, potencialização com outros medicamentos, ou combinação de diferentes antidepressivos”, ressalta.


De acordo com Franciele, o estudo também revela pontos a serem melhorados nas recomendações das diretrizes. “Isso inclui apresentar uma definição padronizada de resposta adequada, inadequada ou parcial ao tratamento farmacológico da depressão e estabelecer o tempo necessário para declarar uma resposta, ou até mesmo a sua ausência”, destaca. “Cabe salientar que apenas algumas diretrizes apresentaram uma sequência clara de estratégias terapêuticas para pacientes nessa situação clínica.”


“É relevante destacar que as discrepâncias entre esses documentos podem conduzir os profissionais de saúde a hesitarem em aplicar as diretrizes clínicas na prática”, afirma a pesquisadora. “A melhoria da qualidade ajudaria nesse processo.”


Franciele afirma que a aceitação das diretrizes clínicas por profissionais da saúde é a chave para a implementação efetiva e a obtenção de um atendimento ideal ao paciente. “Os profissionais nem sempre têm tempo disponível e acesso à literatura confiável”, observa. “Assim, as diretrizes clínicas confiáveis auxiliam muito para a tomada de decisão. Nosso estudo mostra tópicos que podem ser revisados e aprimorados.”


Além da FCF e da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), o trabalho teve a participação de pesquisadores da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). A elaboração do artigo contou com a colaboração do professor Airton Tetelbom Stein, da UFCSPA, da professora Daniela Oliveira de Melo, da Unifesp, Géssica Caroline Henrique Fontes-Mota, doutoranda da FCF, Itamires Benício dos Santos, mestranda da Unifesp, Aliandra Fantinell de Oliveira, candidata a mestrado da UFSM, professor Renério Fráguas, docente do Departamento e Instituto de Psiquiatria (IPq) da Faculdade de Medicina e do Hospital Universitário (HU) da USP e professora Eliane Ribeiro, da FCF.


Os resultados do trabalho serão apresentados nas disciplinas de diretrizes clínicas da UFCSPA e da Unifesp, com o objetivo de melhorar o conhecimento sobre o tema.


Mais informações: e-mail francordegabriel@gmail.com, com Franciele Cordeiro Gabriel


Notícia retirada do site do Jornal da USP

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